Estigma e HIV : O que eu vivenciei

O estigma associado ao HIV/AIDS é uma das forças mais perversas que assombra a vida das pessoas que convivem com o vírus. E para ser justo, o estigma é um inferno na vida de qualquer pessoa que, por uma razão ou outra, é considerada “diferente”. Mas diferentes em quê? A verdade é que não sei dizer, já que esse critério é normalmente baseado em percepções obtusas, nascidas na mente de alguém que, provavelmente, está mais perdido do que a própria pessoa que ele definiu como “diferente”.

Uma pesquisa revelou que um terço da população economicamente ativa se recusaria a trabalhar com “pessoas assim”. A expressão “pessoa assim” foi usada contra mim há alguns anos, durante um período em que muitas pessoas me procuravam pelo WhatsApp. Em uma dessas noites sombrias, quando a solidão me abatia e Mara ainda não estava aposentada, decidi não incomodá-la, já que ela precisava descansar. Então, em um momento de necessidade, procurei uma das pessoas para quem já havia prestado algum auxílio, pedindo apenas uma conversa. A resposta que recebi me deixou boquiaberto:

— “Olha, moço, vou te bloquear aqui. Não posso justificar uma amizade com uma pessoa como você.”

E, num ato contínuo, fui bloqueado. Fiquei tão perplexo que sequer me ocorreu responder. Talvez tenha sido melhor assim. Evitei a tentação de descer ao mesmo nível.

Essa experiência é apenas um exemplo do que é lidar com o estigma. Outro exemplo que me marcou foi o de um sujeito que, na internet, afirmou que “não existe morte social” para pessoas vivendo com HIV, e que a saúde delas seria até melhor que a de outras pessoas. Ele, claro, não vive com HIV, e falava sobre a vida com a insensibilidade de quem observa a realidade à distância.

Outro dia, enquanto conversava com alguém, compartilhei que estava exausto de viver com HIV. Para minha surpresa, a pessoa me respondeu que, para ela, o HIV era o menor dos seus problemas. Fiquei chocado. Não é apenas o vírus que pesa em mim, mas sim o estigma que o acompanha, como uma sombra constante.

Quando fui diagnosticado, as pessoas com HIV morriam rapidamente. A expectativa de vida era curta, e as poucas “benesses” que o Estado oferecia, como a aposentadoria ou a possibilidade de sacar o FGTS, eram concedidas como uma espécie de compensação macabra pela sentença de morte anunciada. Eu mesmo não tinha direitos previdenciários, mas possuía algum saldo no fundo de garantia. A questão é que havia um código específico para esse saque, que denunciava a condição da pessoa que estava ali. Todos no banco sabiam que, se alguém mencionasse o tal código, era porque tinha HIV ou AIDS. Não tinham qualquer pudor em expor isso em alto e bom som para todos os outros funcionários.

Lembro-me de uma experiência que vivi em Piracicaba. Trabalhei como técnico em uma empresa de informática e, depois de alguns dias, pediram minha carteira de trabalho. Naquele momento, eu não sabia, mas ao fornecer os dados do meu fundo de garantia, sem querer selei meu destino. Fui demitido um dia antes do fim do contrato de experiência, com a desculpa de problemas financeiros. Aquela foi a primeira vez que senti o peso do estigma no ambiente de trabalho.

Mais tarde, passei por uma situação semelhante em uma entrevista para uma vaga de telemarketing. Fui aprovado em todos os testes, e já estava com os documentos prontos para iniciar o treinamento quando, de repente, fui informado de que a vaga havia sido fechada devido a cortes de custos. Mas algo dentro de mim sabia que havia mais por trás disso.

O estigma não é apenas uma palavra. Ele se manifesta de maneiras sutis e insidiosas, corroendo as oportunidades e deixando marcas profundas nas nossas vidas.

O peso do estigma, para quem vive com HIV, é amplificado por pequenas e grandes experiências como essas. Às vezes, não é o vírus em si que nos destrói, mas a forma como somos tratados pela sociedade. O medo, a ignorância e a intolerância formam uma tríade que, muitas vezes, é mais difícil de combater do que o próprio HIV.

Houve momentos em que senti que não tinha forças para continuar. Mas, ao mesmo tempo, percebi que minha luta não era apenas contra o vírus, mas também contra essa visão deturpada que as pessoas têm de mim e de tantas outras pessoas que vivem com HIV. Uma vez, quando tentei encontrar um emprego em uma empresa de telemarketing, fui submetido a uma série de testes exaustivos, mais desafiadores do que o necessário. Passei por tudo com sucesso, mas no final, fui informado de que não havia mais vagas. Coincidência? Eu não tenho provas, mas tenho certeza de que o estigma teve sua mão nesse resultado.

O estigma pode ser sutil, mas suas consequências são devastadoras. Ele fecha portas, isola e destrói qualquer chance de normalidade na vida de quem convive com ele. E, mesmo quando fazemos de tudo para provar nosso valor, ele ainda nos acompanha como uma sombra persistente.

Viver com HIV é mais do que lidar com um diagnóstico. É aprender a viver em uma sociedade que ainda nos trata como párias. É conviver com o medo constante de que as pessoas nos vejam apenas pelo prisma da doença, ignorando quem somos, nossas habilidades, talentos e a pessoa completa que existimos para ser.

Essa é a verdadeira batalha: não contra o vírus, mas contra o estigma que ainda assombra a sociedade. Espero que, ao compartilhar essas histórias, as pessoas possam começar a entender o impacto que esse preconceito tem em nossas vidas e, quem sabe, mudar um pouco suas atitudes.

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