Aos 27 anos, recebi um alerta de uma coisa que até então eu tirava sarro com o bordão “melhor morrer de AIDS do que de vontAIDS“.
E daí me coloquei a chorar, passando a vida toda, todos os 27 anos no trajeto de 15 minutos que restavam da Dutra até minha casa, em Guarulhos. Sem saber se eu tinha contraído o virus, mas já pedindo a Deus para me livrar disso e também pedindo que ele olhasse por essa pessoa que teve a CORAGEM de me notificar, alertar, liguei para um amigo de infância e passei na casa dele.
Quando ele entrou no carro, cai em lágrimas de desespero, sem conseguir falar sequer uma palavra durante uns 10 minutos enquanto ele, aflito e preocupado, tentava entender o que ocorria. Quando finalmente consegui dizer o que estava se passando, tentou me dar forças, tentando não mostrar desespero e se prontificando a ir comigo no dia seguinte fazer o teste, que até então eu nunca havia feito.
Foi a noite mais longa da minha vida. Chegar em casa, se trancar no quarto e fingir que tudo estava bem, com aquilo tudo passando pela minha cabeça. Comecei a ler sobre HIV, sintomas e tudo mais, e percebi que o que eu sabia sobre o tema era apenas “a morte do CAZUZA” e que o quanto isso é abominado pela sociedade.
[
youtube https://www.youtube.com/watch?v=WVbQ-oro7FQ
]
Comecei a ver alguns sintomas da infecção que batiam com o que se passava comigo, por diversas vezes despercebido, por ter a mania de invencível, de não ter medo de nada, naquele dia eu tive! Deus me mostrou que eu deveria sim ter medo. E de lá para cá essa palavra vem tornando-se constante em mim.
Mesmo em situações que não deveria, ela persiste em me assombrar. No dia seguinte, fui até um posto de saúde e lá estava a minha “sentença”… Dentro do carro, esse amigo tentava me consolar enquanto minha frase mais dita entre as lágrimas era “eu não quero morrer”. Jovem, feliz, “saudável”, sempre sem temer a nada.
De repente, nada disso fazia mais sentido. Nunca vou me esquecer do rosto daquela enfermeira, “bufando” sem saber como me dizer quando em cinco minutos apareceram dois “risquinhos” no meu teste rápido. Como é duro apenas lembrar deste dia…
E de lá para cá, as lutas são constantes. Em uma semana, evitei ver minha namorada, não dormi, não me alimentei, perdi 7 kg (gritantes para quem já é magro), contei para algumas pessoas da família que me apoiaram de uma forma fantástica.
Minha madrinha, sempre ao meu lado, me levou ao Posto especializado em uma cidade do interior onde ela reside, cuidou de tudo para mim, que não tinha estrutura para nada.
Com a desculpa de que queria apresentar ela a minha madrinha/tia, a levei para essa cidade do interior e ao chegar na frente não são reais, o que faz isso é o sentimento de culpa e sangue se doa, no mínimo, uma vez a cada seis meses e, sem entrar no mérito da relação, sem acusar ninguém de nada, ha espaço, na minha consciência, para “outras ilações”…,
E de lá para cá, entre muitas brigas e desentendimentos, ficamos juntos. Me tornei indetectável e ela, com CD4 ainda alto e carga viral considerada “baixa” começou também o tratamento com o 3×1, assim como eu.
Dia 13 de junho, descobrimos que ela está gravida. Uma sensação de felicidade e medo, ao mesmo tempo, decidimos nos casar, e dia XX de mês, próximo sábado vamos nos unir.
Em partes, me sinto feliz. Quero ter uma vida nova. Sei que Deus coloca coisas as vezes para mostrar que estamos caminhando errado, que não é a direção certa. Mas não consigo ser mais o mesmo, sempre alegre, confiante, cheio de vida, hoje nada faz mais tanto sentido…
Houve uma época mais difícil, no começo, suspeitei de uma depressão e aparentemente isso seria normal. Porém tento levar a vida. Algumas vezes o assunto HIV vem em nossas conversas, ela sem me dizer claramente, mesmo assim sinto que não consegue aceitar, como me disse essa noite que anda “revoltada” que não consegue aceitar que tem “isso”.
Também não me conformo as vezes. Mas tento aceitar o que estava traçado na minha história, que talvez poderia ter sido diferente, mas infelizmente não foi.
Luto tanto para ter uma vida normal, e “normal” não se trata de condição de saúde em si, mas de cabeça boa. De ter o prazer de fazer coisas como eu tinha antes. De ver um jogo de futebol, dar risada com amigos ou ter foco no trabalho. Parece que nada mais é importante, tudo se tornou coadjuvante, faço as coisas no automático para não “parar de viver”.
Espero que isso passe, tem dias que são bem próximos dos “normais”, como antes. Sei que não devemos nos vitimar, tem que ir em busca dos sonhos e tudo mais. Mas confesso que o fato de segurar esse “fardo” da sorologia da minha noiva sozinha, às vezes me destrói.
Ela acha que a família não vai entender e eu serei visto como o “assassino”. Entendo ela, respeito também a posição, por conviver talvez eu até concorde. Mas as vezes não ter com quem dividir ou ao menos desabafar sobre essa cruz não é fácil.
Desculpe o desabafo rs. Espero não ter tomado muito o seu tempo e obrigado por partilhar um pouco de suas experiências com leitores.
Deus o abençoe grandemente. Vida longa!