Missão cumprida

 

Picolés, algodão-doce, músicas, abraços e sorrisos. A reabertura da unidade infantil da Casa de Apoio Sol Nascente foi como um domingo. Ou, como melhor projetou uma das Beatrizes do lugar, foi como um Natal

 

Ana Mary C. Cavalcante

anamary@opovo.com.br

02 Mar 2010 – 02h04min

 

Foi uma manhã de bons-dias. Sorrisos e abraços se espalhavam pelos espaços amplos da nova unidade infantil da Casa de Apoio Sol Nascente (Castelão), reaberta ontem. Olhares admirados e felizes passeavam pelo abrigo, refeito e ampliado para 16 crianças soropositivas, órfãs ou vítimas de abuso sexual. O resultado da campanha de reforma da unidade, desenvolvida pelo Grupo de Comunicação O POVO, desde outubro passado, foi uma segunda-feira plena de (en)cantos, infâncias, emoções, reencontros e recomeços. E que venha a próxima chuva.

 

“Toda vida que vejo um negócio desses é que entendo esta frase: -Um mais um é sempre mais que dois-“, transborda, outra vez, a assistente social Ana Sudário. É difícil caber em si quando se sabe a carência do próximo. Então, solidariedade é o que alicerça aquela casa feita de luz. “Parabéns pelo exemplo que isso representa para a sociedade“, declarou o secretário municipal de Saúde, Alexandre Mont´Alverne, durante a solenidade de reabertura da unidade infaltil.

 

“Obrigada e coragem. Não tenha medo de se doar. Quem faz os outros felizes se torna feliz de verdade“, agradeceu frei Hans Stapel, fundador da Fazenda da Esperança (que abriga o projeto Sol Nascente), ao abençoar a volta das crianças. Meninos e meninas migraram para uma casa menor e alugada, desde quando as águas de março de 2009 destruíram a velha morada.

 

Ontem, voltaram de mãozinhas dadas, atravessando o tapete vermelho em uma comportada fila indiana. Eram pequenos príncipes e princesas, ricos de uma felicidade surpreendente. “A casa está maravilhosa e, melhor que isso, são as crianças transmitindo o carinho e o amor que transbordam todo problema que podemos ter“, encantou-se Eduardo Luís Barbosa, diretor-adjunto do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde.

 

Veja-se a menininha sem mais mãe (ela morreu em novembro passado, aos 19 anos, minada pelo vírus HIV). De vestido rosa e maria-chiquinhas, ela reinava à frente do pequeno coral que traduzia “Como Zaqueu“, música de Regis Danese, em agradecimento. “Ela está linda!“, apontava uma voluntária do Grupo de Apoio Girassol (que atua no Hospital São José).

 

Um novo desafio

No meio da solenidade, outro grupo chama a atenção. São alguns dos 18 adultos também abrigados sob o Sol Nascente. O bailarino, por exemplo, que teve as articulações atrofiadas pelo coquetel anti-HIV, já reaprende a andar. E o marinheiro mantém sua elegância, apesar da cadeira de rodas. Estão ali para também fazer parte da canção que embalou a campanha: “Nós podemos muito/ Nós podemos mais“ (“Semente do amanhã“, Gonzaguinha).

 

A construção da casa-hospital dos adultos é um novo desafio, proposto pela presidente do Grupo de Comunicação O POVO, Luciana Dummar, de mãos dadas com frei Hans. “É o próximo passo. Olho para essa casa (das crianças) e digo: -Que beleza é o jornal poder ajudar o próximo-“.

 

E é um ato simples, como demonstra a menininha de vestido rosa, ao avistar uma doadora. “Lembra de mim? Tu me deu uma banana… E tava uma delícia! A carne do almoço também!“. O menorzinho também agradece o brinquedo pula-pula e o quarto novo. “Agora, com licença, que eu vou comer um algodão-doce!“, dá mais um salto.

 

 

A CONSTRUÇÃO DA CAMPANHA >

 

A unidade infantil da Casa de Apoio Sol Nascente foi destruída pelas chuvas de 2009. Calcularam-se R$ 100 mil para a reforma . Em março daquele ano, 11 crianças em atendimento se mudaram para uma casa menor, alugada na vizinhança. A campanha de reconstrução do abrigo foi lançada no dia 18 de outubro. Até a casa ser refeita, O POVO teve muitas histórias para contar:

 

> “Uma casa para o Sol Nascente“ (18/10/2009): é criada uma conta bancária para depósitos e se faz o apelo por cimento. “É preciso mais, cotidianamente. Fraldas, luvas de procedimentos, alimentos, sábados e domingos“, considera a terapeuta organizacional Yonara Mesquita“;

 

> “Falta espaço para brincadeiras“ (19/10/2009): a casa alugada não comporta bem as crianças. Elas desejam mais espaço e abraços. “-A visita chegou!-, anuncia uma vozinha fina. E a alegria vai passando de boca em boca, impulsionando correrias e esperanças…“;

 

> “-Aqui, precisamos de tudo-“ (21/10/2009): há outra versão da Casa Sol Nascente: a unidade para 18 adultos soropositivos. Tão marcante quanto o abrigo das crianças e que também agoniza. “A gente tem que pegar do prato das crianças para dar de comer aos afirma Arilo Deodato, diretor da Casa“;

 

> “Unidos por uma boa causa“ (23/10/2009): no lançamento oficial da campanha, pelo Grupo de Comunicação O POVO, “o Município iniciou a reforma do abrigo. E o Banco do Nordeste firmou convênio para a contratação de instrutores de educação artística“;

 

> “A tal felicidade de Dona Quinha“ (25/10/2009): O POVO inicia série de perfis sobre as pessoas que compõem a Casa. “Francisca Gomes da Silva Muniz, 56, a sempre disposta e sorridente dona Quinha, é cozinheira do lugar há cinco anos. E porque já experimentou a fome, alimenta o outro. A seu modo, ameniza as amarguras da aids: -Quando não querem comer, eu tenho uma surpresa: um doce-“;

 

> “Uma missão de amor e solidariedade“ (8/11/2009): a professora aposentada Maria Dilma de Mendonça, 74, soube da Casa Sol Nascente no fim dos anos 90. E não parou de colaborar. “Todos os meses, ela bate de porta em porta, arrecadando doações. Sua missão é cobrar R$ 10, depositados na conta da instituição. -Assumi isso com tanto amor, que é um pedaço de mim-“.

 

> “Campanha garante reforma da Casa do Sol Nascente“ (22/11/2009): “Graças a doações da população e ao comprometimento da Prefeitura e de instituições, o abrigo deve ser reestruturado até dezembro“;

 

> “Viver o novo tem sido grandioso“ (6.12.2009): “O bailarino Rogeris de Sousa Alves, 32, ensina dança a oito adultos soropositivos, refugiados em uma das unidades da Casa Sol Nascente. Quatro são cadeirantes. Mas Rogeris é um dos que percebem que a alma extravasa o corpo“;

 

> “Dia de visitas e festa de Natal“ (16/12/2009): “Na Casa do Sol Nascente, o Natal vai sendo recriado a cada conversa, a cada sorriso, a cada visita“;

 

> “Reforma da casa do Sol Nascente quase pronta“ (7.2.2010): um ano novo se anuncia para o abrigo. “Ao fim de mais um expediente, quando a poeira vai baixando, mestre Ramos tanto se admira como se emociona. -É outra casa…“.

 

 

AS FRASES

 

Essa casa já foi destruída por outras chuvas, como a da indiferença social… Essa campanha foi como uma estrela que brilhou no Oriente e vieram os magos, trazendo seus presentes“

Arilo Deodato Lima. Presidente local da Casa de Apoio Sol Nascente

 

Estamos unidos para participar, diretamente, da construção dessa nova casa dos adultos. Vamos, se Deus quiser, o mais breve possível, entregar, uma casa digna“

Gotardo Gurgel. Superintendente da Caixa Econômica Federal, em Fortaleza

O POVO ONLINE

Editoria: Pág. Dia / Mês/Ano:

02/MARÇO/2020

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