Uma História que não é mais uma!

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A História de uma soropositiva. Na minha vida, eu sempre tive muita ne­cessid­ade de pro­var que eu po­dia ser amada, sempre busquei o tal amor fren­et­ica­mente, sem muito critério, achando que po­dia ser aquele próximo rapaz que eu con­he­cesse de re­pente numa festa, numa viagem, em qualquer lugar, cont­anto que fosse de re­pente, sem muito critério de escolha.

Por Angel

Eu es­per­ava a real­ização total, vinda de um “qualquer um”…e com isso ia tent­ando, buscando, me en­tregando de corpo e alma a mui­tos que, com cer­teza, es­tavam longe de me mere­cer…e eu não tinha ca­pa­cid­ade de enxergar isso.

Até que um dia, no fi­nal de 89, uma des­sas tent­ativas se firm­ou e eu fui namor­ando, e foi dur­ando, dur­ando.

Com cer­teza ele não tinha muita com­petência pra ser meu príncipe en­cantado, mas a mel­hor ca­ra­c­terística que o rapaz possuía era mostrar vont­ade de es­tar comigo…e con­tinu­ar comigo atéééé..sabe Deus quando.

E isso era o que mais me en­cantava nele.

A coisa pas­sou dos 5 anos.. e eu já não via mais muita graça no meu com­pan­heiro, mas eu me mantinha fiel a ele e havia muito re­ceio de ter­min­ar o namoro por medo da sol­idão e medo, muito, muito medo, de cair nesse mundão, pro­cur­ando o tal amor de novo…prin­cip­al­mente agora nesses tem­pos de AIDS (se bem que…com a vida que eu le­vei até me es­tabil­iz­ar nesse namoro, eu sempre achava que eu era uma forte can­did­ata a ser porta­dora do HIV. Eu nunca havia usado cam­isinha e já tinha ex­per­i­mentado mui­tos namor­a­dos. Mas cadê cor­agem pra fazer o ex­ame de sangue?).

Certa ocasião em 93, eu tive que fazer uns ex­ames para ad­missão num novo emprego, e eu ficava tor­cendo pra que eles não pe­d­is­sem o teste de HIV…e UFA, graças a Deus não pediram.

E lá fui eu, vivendo minha vid­inha, com meu namor­ad­inho firme, meu empreguinho – eu su­per saudável, alto as­tral, viva.

Em ou­t­ubro 96 o rela­cio­na­mento fi­nal­mente acabou sem motivo muito es­pe­cial…era a saturação mesmo, e com cer­teza de am­bas as partes.

Eu come­cei a quer­er ol­har em volta, e pro­cur­ar um novo namor­ado – já havia al­gu­mas fantas­i­as de príncipe en­cantado na minha cabeça, mas eu quer­ia ir de­vag­ar, tent­ando me ad­aptar à vida de “mul­h­er soz­inha”.

Não tive muito tempo – um mês de­pois, o tal ex-namor­ado me pro­cura pra avis­ar que fez o teste de HIV (sabe lá por que ele cis­mou de fazer esse teste) e deu res­ultado pos­it­ivo.

Esse foi meu presente de 40 anos de vida: a obrig­at­or­iedade de fazer o teste, di­ante desta de­claração dele – o homem com quem eu fiz amor dur­ante 6 anos sem nunca ter me pro­tegido…e nem ele se pro­tegeu também.

E foi o so­fri­mento…foi difícil, doeu muito…eu sabia que nunca ter­ia chance do res­ultado ser neg­at­ivo…era ÓBVIO que eu es­tava in­fectada….

Eu pensava que ia mor­rer no dia seguinte, ficava com medo até de res­pir­ar pra não pegar al­guma doença no ar!!

E vinha a per­gunta :

“Quem pas­sou pra quem essa bomba????????” e de­pois eu pensava:

– “De que adi­anta essa pre­ocu­pação?…es­tamos am­bos in­fecta­dos…temos mais é que nos cui­d­ar­mos.”

Pensamen­tos ro­lan­do na minha cabeça: – “Ai meu Deus…que culpa, fui eu que pas­sei isso pra ele, co­it­ado”..

De­pois eu pensava: – “Ele tinha muita liber­dade…saía muito soz­inho, com cer­teza pegou isso por aí e pas­sou pra mim”.

Tem­pos muito difíceis prin­cip­al­mente no as­pecto emo­cion­al, pois eu até ho­je escondo o vírus da minha família e dos meus mel­hores ami­gos.

Fe­l­iz­mente eu me ad­aptei muito bem à medicação e meu or­gan­ismo re­spondeu rápido, logo zer­ando a carga vir­al e aument­ando o CD4.

Fiquei nova­mente com o namor­ado por mais um ano…creio que a título de ser­mos “bengala” um pro outro, mas a gente acabou se afastando.

Ele logo se ar­ran­jou com outra e eu me re­col­hi.

Desde então, tem sido difícil eu me rela­cion­ar afetiva­mente e prin­cip­al­mente no sexo, pois eu sempre acho que devo con­tar que sou sor­o­pos­it­iva pra aqueles que quer­em se aprox­i­m­ar sexu­al­mente. Mui­tos fo­gem, se apa­voram, e al­guns até nem acred­it­am em mim pois pensam que quem tem HIV tem cara de doente e leva vida de doente, en­quanto que eu sou uma mul­h­er su­per saudável, cheia de dis­posição, bem cuid­ada, e modéstia à parte, bem bon­ita

Esse é o as­pecto mais difícil da minha vida.

Porém, em out­ros as­pec­tos, minha vida mel­hor­ou tanto, mas tanto nesses 4 anos que chego a me emo­cion­ar quando faço uma ret­ro­spectiva.

Eu, con­vivendo com esse bichinho in­fe­l­iz, pas­sei a me cuid­ar muito mais, pas­sei a me val­or­iz­ar muito mais e fiquei uma mul­h­er con­sist­ente, sabedora do meu val­or e es­tou sempre tendo em vista o mel­hor pra mim, em to­dos os as­pec­tos.

Não aceito mais os “qualquer um” da vida…não aceito mais “qualquer coisinha”…es­tou sempre buscando e mereço o que é bom dessa vida..

Eu aprendi também a enxergar mel­hor as coisas, e da­quilo que é ruim, eu passo longe.

Meus as­tral sempre foi altíssimo, e agora então, di­ante dessa vivência, é muito difícil al­guma be­steir­inha me deix­ar abal­ada.

Sou eu quem dá força pra to­dos que me cer­cam e mal sabem eles o bichinho que eu tenho den­tro de mim… Liçãoz­inha dura essa…Mas com cer­teza valeu.

Eu me amo muito ho­je em dia, com o HIV con­vivendo comigo.

Antes dele eu só me ar­rasava.

Fica aí re­gis­trada essa história que não é MAIS UMA, e sim, é a MINHA história de FORÇA pra pas­sar pra to­dos vocês.


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Claudio Souza DJ, Bloqueiro e Escritor
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