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A criança vivendo com HIV/AIDS

by Claudio Souza DJ, Bloqueiro

A criança vivendo com HIV/AIDS

Consideração sobre a adesão ao tratamentos.

 

criaças, família e aids

Uma família, mesmo que todos portem HIV, é sempre um núcleo familiar e, quando pouco, cobra-se delas ao menos o respeito

“Meu Deus, aquilo realmente era um sonho. Será que o tinham importado… ou simplesmente ele era inteligente o bastante para saber que perguntar a opinião do paciente de vez em quando não doía nada”. (“Depois daquela viagem”, Valéria Piassa Polizzi).

No meio científico, chama-se atenção para a impropriedade de se considerar a ocorrência de uma doença como um acontecimento comum, facilmente assimilável ao fluxo cotidiano da vida das pessoas. O adoecimento se constitui em experiência dolorosa, originando sentimentos de revolta, em meio a perguntas sofridas e desesperadas:
“Mas por que eu? Por que logo comigo?”. Mesmo apresentando uma localização para o sintoma, a sensação de estar doente não diz respeito a um local. A referência é o corpo. Não se ouve: “Por que minha pele?” ou “Por que meu osso?”, uma vez que a pessoa como um todo adoece. E desta forma as relações interpessoais de adultos e crianças são interrompidas, interferindo nos hábitos diários, modificando suas relações com o mundo e consigo mesma. A doença é percebida como uma ameaça ao corpo físico e psíquico do indivíduo. Para o paciente, a vivência do sofrimento, da frustração, da fragilidade, da dependência, guarda relação direta com seu modo de ser e de viver o cotidiano.

Doença na criança

A abordagem do adoecimento da criança percorre, na Medicina, o entendimento relativo ao adulto, e progressivamente passou a ser considerada em sua singularidade evolutiva e terapêutica. O entendimento e o relacionamento com a criança doente têm sido assim mediados pela mãe – um adulto -, desconsiderando a dimensão da vivência da enfermidade e a condição da criança de saber-se e dizer-se doente. Para a mãe, a percepção de sensações referentes ao que sejam estados de saúde ou doença está relacionada a uma pluralidade de situações que fazem parte da vida diária. A mulher vive rodeada e solicitada para atividades que o corpo deve estar apto para desempenhar: trabalhar, organizar a casa, se divertir, cuidar dos filhos.
Ao falar da enfermidade da criança com AIDS, também focalizamos as vivências de adoecimento da mãe convivendo com HIV/AIDS, por acompanhar a situação do filho adoecido ou vivenciar a evolução da doença em seu próprio organismo. Neste último caso, a ocorrência de uma transmissão perinatal é responsável pelo diagnóstico positivo pediátrico em 90% dos casos, de acordo com o Programa de Assistência à Gestante HIV Positiva/RJ. Para ambos, trata-se de uma experiência de adoecimento que revela o sentimento pessoal de conviver com uma doença estigmatizante, grave e fatal, lembrando ainda a condição particular deste paciente que, de alguma forma, necessitará sempre da intimidade da instituição hospitalar em seu tratamento. Nestas circunstâncias, os pacientes têm suas vidas e seus corpos despidos duplamente, simbólica e concretamente, passando a vivenciar os aguçados controles das normas institucionais impositoras de novas regras de conduta em suas vidas.

Internação

A permanência da criança doente no espaço do hospital ressalta e produz marcas indeléveis em todos os níveis dê sua vida. Ali permeiam marcas que dizem respeito à vivência da hospitalização, às relações pessoais no decorrer do tratamento, aos procedimentos médicos, mas também conseqüentes à ruptura relativa ao próprio diagnóstico da doença AIDS. O saber-se com esta doença é o momento de maior impacto emocional para o adulto. Esta situação geralmente é codificada para a criança pela mãe. Se a internação pode parecer o momento em que esse diagnóstico ganha contornos concretos inegáveis, é nele, entretanto, que se situa a ruptura de suas vidas, traduzindo o reflexo de uma morte anunciada.
A internação hospitalar apresenta vários aspectos relevantes no processo de tratamento, eventualmente até adquirindo a conotação de esperança.
O hospital passa a ser o porto seguro, para onde o paciente vai para ter certeza de que está se cuidando e de que está sendo cuidado, percebendo-se sob a proteção de uma equipe que sabe cuidar da doença. Há estudos relatando as vivências de crianças de 5 a 11 anos que apontam o quanto são desconsiderados os aspectos subjetivos, submetidos à força e ao poder do saber médico, no interior da instituição hospitalar. Os relatos pontuam ainda a impressão de estranheza da criança ao ambiente, a sensação de abandono, em que a função de cuidar é desempenhada apenas pela mãe. As internações prolongadas podem resultar em maior conhecimento sobre o cotidiano hospitalar, sobre a doença e os médicos, por iniciativa da criança, que percebe o hospital como local de proibições, de infantilização, causador de indignação, de solidão e de saudade. Também, percebe a doença como uma punição, um castigo, e que leva à morte.

Adesão

No caso da AIDS, torna-se valioso compreender os aspectos psicodinâmicos da relação paciente/doença/tratamento na instituição hospitalar por parte dos médicos, para lidar, por exemplo, com a situação da criança em tratamento e, por conseqüência, estimular a adesão a este processo, através de uma relação boa com o médico e com a instituição.Torna-se fundamental ouvir a criança naquilo que ela necessita dizer, em sua própria linguagem, para construir essa relação médico/paciente, o que segundo trabalhos da sociologia médica e antropologia médica contemporâneas, em aspectos gerais, objetiva fazer a relação entre a realidade social da medicina e da doença.
A escuta do paciente sobre a doença e sobre sua vida passou a ter importância no estudo, sobretudo das doenças crônicas, como meio de entender as tentativas dos pacientes em lidar com as situações de suas vidas, com os problemas de identidade no enfrentamento dessas situações de evolução crônica.
Para a criança, as relações entre seu corpo e sua identidade, no sentido da percepção de si e do mundo circundante, se alteram no adoecimento, justificando assim a reconstituição de sua própria história. Então, narrar sobre a doença na moldura da vida de cada paciente é tornar possível e dotar de significado os eventos que causaram uma ruptura e desviaram o rumo da vida.
Assim, paulatinamente, firma-se a possibilidade de se ouvir também a criança, desviando-se a atenção dos achados clínicos patológicos para o acompanhamento do sofrimento na sua dimensão societária, dando à vivência do adoecimento um importante papel também para o desvendamento do modo como a doença é concebida e representada pela própria biomedicina.

Lizete Pontes Macário Costa
Médica, psiquiatra, mestre em Saúde Coletiva, professora de Psicologia MédícaIUERJ, coordena atividades docentes assistenciais – Psicologia Médica e Doenças Infecciosas e Parasitárias DIP/HUE/UER)

Boletim Internacional sobre prevenção e assistência à AIDS

Ação anti AIDS

Encarte Brasil

N 42 out – dez 1998

Publicado por Healthlink Worldwide (ex-AHRTAG) e ABIA


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